Nas últimas duas décadas, Serneels cruzou continentes mais de 60 vezes, viajando incansavelmente pelas áreas rurais da China. Sua missão: ajudar os agricultores chineses a cultivar batatas de melhor qualidade e treinar a próxima geração de agrônomos.
Por Ding Yinghua
Bruxelas, 2 mai (Xinhua) — Um grupo de estudantes belgas caminha por uma estufa nos arredores de Chongqing, na China, onde campos de mudas se estendem sob seus pés. Na liderança está François Serneels, um agrônomo belga carinhosamente apelidado de "Dr. Bethune das batatas", em homenagem ao cirurgião canadense Norman Bethune, que virou um herói na China por sua dedicação à luta do povo chinês contra a agressão japonesa em 1938.
Capturado em uma foto antiga salva celular de Serneels, esse estudo de campo na China com estudantes belgas é uma cena familiar para Serneels.
Nas últimas duas décadas, Serneels cruzou continentes mais de 60 vezes, viajando incansavelmente pelas áreas rurais da China. Sua missão: ajudar os agricultores chineses a cultivar batatas melhores e treinar a próxima geração de agrônomos. Ele frequentemente leva estudantes belgas ou colegas cientistas.
Foto mostra agrônomo belga, François Serneels, (2º, à esquerda) dando aulas em centro de produção de batatas no condado de Wuxi, Chongqing, em 2017. (Xinhua)
Serneels compara sua conexão com a China a uma aventura de história em quadrinhos da infância. "Minha história com a China é um pouco parecida com a de Tintim", disse Serneels, se referindo a "O Lótus Azul", uma história em quadrinhos belga clássica que leu quando criança. "Na história, um jovem repórter vai à China e faz amizade com um chinês. Visitei a China depois e afirmo que meu melhor amigo é um chinês".
Esse amigo é Che Xingbi, um agrônomo de Chongqing. A amizade começou em 1999, quando Serneels foi a Beijing para a primeira Exposição Internacional de Agricultura da China e a primeira Conferência Internacional sobre Proteção de Plantas. Lá, ele apresentou um sistema preditivo desenvolvido pelo Centro Provincial de Pesquisa de Hainaut, na Bélgica, para ajudar os agricultores a combater a requeima da batata, uma doença de rápida disseminação que devasta plantações de batatas.
Che ficou intrigado e convidou Serneels para Wuxi, uma remota região montanhosa no nordeste de Chongqing, onde os agricultores locais enfrentavam surtos recorrentes da doença. O sistema belga provou ser transformador. Nos anos seguintes, a produção de batatas em Wuxi aumentou significativamente, e o simples tubérculo virou um pilar dos esforços locais de redução da pobreza.
Hoje, o sistema é usado em cerca de 16 regiões provinciais da China, ajudando os agricultores a evitar grandes perdas.
Che atribui grande parte desse sucesso ao profissionalismo e à dedicação de Serneels. Jiang Ning, outro amigo próximo de Serneels e professor da Universidade de Mons, na Bélgica, conta uma anedota sobre Serneels. Durante uma viagem a Hulunbuir, na Mongólia Interior, a bagagem de Serneels não chegou, mas o primeiro item que ele comprou foi um par de botas de borracha de cano alto, equipamento essencial para o trabalho de campo. "Essa escolha mostrou o foco de François no trabalho", disse Jiang.
Foto mostra agrônomo belga, François Serneels, (direita) analisando batatas colhidas no condado de Wushan, Chongqing, em 2011. (Xinhua)
DE "GANHO MÚTUO" A "BENEFÍCIO PARA TODOS"
A cooperação neste sistema, já em uso há anos na China, contribuiu para o método que Serneels e seus colegas belgas usaram para abordar a tecnologia agrícola em seu país.
O sistema original de alerta de requeima da batata da Bélgica era em grande parte manual. "Os agricultores iam às estações meteorológicas, anotavam a temperatura e a precipitação e ligavam para os cientistas", explicou Serneels. "Depois, traçávamos curvas e analisávamos manualmente o desenvolvimento da requeima. Em 1999, apenas uma automação básica do sistema havia sido alcançada".
Esses métodos eram impraticáveis na China, devido às vastas áreas agrícolas do país. Esse desafio levou os parceiros chineses de Serneels a desenvolver sistemas avançados de computação e transmissão de dados para automatizar totalmente o processo. "Projetamos o primeiro sistema, mas recebemos uma versão muito mais potente da China", disse Serneels. "Foi uma verdadeira cooperação benéfica para todos".
Essa versão atualizada agora também está sendo usada em Ruanda, Guiné e Bangladesh. Serneels chama essa expansão de "cereja do bolo" e "exemplo interessante de progresso compartilhado para a humanidade".
Com o mundo enfrentando desafios urgentes, incluindo mudanças climáticas, insegurança alimentar e falta de energia, Serneels acredita que essa colaboração é essencial. "A Europa tem pesquisas avançadas e a China tem vastos campos para aplicação e inovação. Juntos, como fizemos com o sistema de batatas, podemos alcançar grandes feitos".
Foto mostra agrônomo belga, François Serneels (primeiro, à direita) observando cultivo de batatas em campo com estudantes e parceiros chineses no Condado de Wuxi, Chongqing, em 2012. (Xinhua)
ESTUDO DE CAMPO GERA ENTENDIMENTO
Após ver a transformação da China rural em primeira mão, Serneels adora mostrar essas mudanças aos seus estudantes. Quase todos os anos, ele organiza viagens para estudantes belgas visitarem a China, às vezes liderando grupos de até 57 participantes, com forte foco na imersão rural.
Guillaume De Vriendt, estudante da Universidade Condorcet, disse que descobriu uma China amplamente desconhecida para a maioria dos ocidentais e frequentemente deturpada por estereótipos.
Serneels acredita que a experiência pessoal é a chave para um melhor entendimento. "Somente vendo a China rural, passando alguns dias e conhecendo estudantes, agricultores e cientistas locais, eles começam a entender a verdadeira China".
Os resultados têm sido encorajadores: mais de 20 de seus estudantes voltaram à China para estágios prolongados ou projetos de pesquisa após suas visitas iniciais.
Para explicar as diferenças culturais e, ao mesmo tempo, destacar pontos em comum, Serneels costuma comparar queijo e tofu: "Na Europa, temos centenas de queijos; na China, muitos tipos de tofu. O queijo é leite transformado, e o tofu é proteína de soja transformada. Os sabores são diferentes, mas ambos são simbólicos e ricos em nutrientes", disse ele.
Reconhecer semelhanças, segundo ele, é fundamental para uma colaboração duradoura entre fronteiras.
Turistas visitam Vila de Longchi, no Condado de Wuxi, em Chongqing, sudoeste da China, no dia 2 de maio de 2023. A China teve um impulso nas viagens durante o feriado de cinco dias de 1º de maio deste ano. (Xinhua/Huang Wei)
Na véspera de mais uma viagem à China com um novo grupo de estudantes, Serneels disse uma simples bênção em mandarim: "Yi lu ping'an", que significa "viagem segura". Para ele, essa expressão de despedida também representa a esperança silenciosa para o futuro das relações China-UE, enquanto os dois lados celebram o 50º aniversário das relações diplomáticas bilaterais neste ano.
"A China e a UE têm um longo caminho pela frente", disse ele. "Mas caminhando juntos, podemos construir uma parceria mais estável, confiável e frutífera, uma jornada como um campo bem cuidado que promete uma colheita duradoura de amizade e progresso".