Enorme dispositivo em sala de pré-montagem da maior máquina de experimentos de fusão do mundo, o ITER Tokamak, em St. Paul-Lez-Durance, França, no dia 23 de novembro de 2023. (Xinhua/Gao Jing)
O ITER, popularmente conhecido como "Sol Artificial", anunciou a conclusão de todos os componentes do maior e mais poderoso sistema eletromagnético supercondutor pulsado do mundo, demonstrando o que a cooperação global pode alcançar na busca por energia limpa.
Por Guo Shuang, Larry Neild e Luo Yu
Londres/Paris, 2 mai (Xinhua) — Em uma era marcada pela ansiedade climática e pela divisão geopolítica, o Reator Termonuclear Experimental Internacional (ITER, na sigla em inglês) alcançou um marco que repercute muito além da comunidade científica.
Na quarta-feira, o ITER, popularmente conhecido como "Sol Artificial", anunciou a conclusão de todos os componentes do maior e mais potente sistema eletromagnético supercondutor pulsado do mundo.
O ITER, que significa "o caminho" em latim, é um dos maiores e mais significativos projetos internacionais de pesquisa científica do mundo. Ele reúne mais de 30 países, incluindo a União Europeia, China, Estados Unidos, Rússia, Japão, Coreia do Sul e Índia, com o objetivo de demonstrar a fusão nuclear, o poder do Sol e das estrelas, como uma fonte de energia segura, abundante e livre de carbono para o planeta.
Milhares de cientistas e engenheiros montaram essa máquina única com componentes de centenas de fábricas em três continentes, fornecendo um exemplo brilhante do que a cooperação global pode alcançar quando a humanidade se une em busca da energia limpa e ilimitada das estrelas.
SUPRIMINDO DIVISÕES
A conquista do ITER é notável em meio ao atual contexto global. Enquanto tensões geopolíticas e correntes protecionistas ameaçam fragmentar a cooperação internacional, o ITER se destaca como uma rara e poderosa prova do que a humanidade pode fazer quando unida por um mesmo propósito.
"É um grande sinal de esperança, simplesmente para mostrar que a humanidade, no final, pode cooperar, pois compartilha um problema e tenta encontrar soluções conjuntas", disse o diretor-geral do ITER, Pietro Barabaschi, à Xinhua em entrevista exclusiva. "Na atual situação geopolítica mundial, essa colaboração é incrível".
Milhares de engenheiros e cientistas contribuíram com componentes de centenas de fábricas em três continentes para construir uma única máquina desde que a ideia de um experimento internacional conjunto em fusão foi lançada em 1985.
No acordo do ITER, assinado oficialmente em 21 de novembro de 2006, a Europa, como membro anfitrião, contribui com 45% do custo do Tokamak do ITER e seus sistemas de suporte, enquanto China, Índia, Japão, Coreia do Sul, Rússia e Estados Unidos contribuem com 9% cada. Mas todos os membros têm acesso a 100% da propriedade intelectual.
No total, os sistemas magnéticos do ITER compreenderão 10.000 toneladas de ímãs supercondutores, com uma energia magnética armazenada combinada de 51 gigajoules. A matéria-prima desses ímãs consiste em mais de 100.000 quilômetros de fios supercondutores, fabricados em nove fábricas em seis países.
"Não havia um único país capaz de fabricar todos esses ímãs, simplesmente não havia poder industrial suficiente", disse Barabaschi.
O porta-voz oficial do ITER, Laban Coblentz, afirmou que a contribuição da China é essencial. "Para ser mais específico, a China forneceu cerca de 65% do material da bobina, os fios supercondutores de nióbio-estanho alojados em revestimentos de aço que formam os ímãs de campo poloidal em forma de anel. Esses componentes-chave, produzidos na China, foram então integrados pela Europa e outros parceiros ao sistema ITER", explicou ele.
"Este momento é extremamente empolgante para a fusão", disse à Xinhua, Arun Bhattacharya, professor titular de energia de fusão da Universidade de Birmingham. "O mais importante é que não se trata apenas de um ou dois indivíduos ou um ou dois países fazendo isso. É possível sentir em todo o mundo que as pessoas estão caminhando nessa direção".
FAROL DE ESPERANÇA
"É um evento marcante por muitas razões", disse à Xinhua, Marc LaChaise, diretor da Fusion for Energy. "Esta jornada começou há tanto tempo que alguns dos membros da minha equipe nem eram nascidos quando ela começou. Agora, após décadas de esforço, é um fim para nós, mas é o começo de uma história".
O projeto ITER remonta à Cúpula das Superpotências de Genebra, em novembro de 1985, quando o então secretário-geral soviético, Mikhail Gorbachev, propôs ao presidente dos EUA, Ronald Reagan, um esforço internacional colaborativo para desenvolver energia de fusão para fins pacíficos. O trabalho de projeto conceitual começou em 1988, progredindo por fases de engenharia cada vez mais complexas até que o projeto final foi aprovado por todos os membros em 2001.
"Nosso projeto foi criado para demonstrar a viabilidade da energia de fusão em escala industrial, de uma forma que esperamos que forneça energia segura, abundante e ambientalmente limpa para as próximas gerações da humanidade", disse Coblentz, porta-voz oficial do ITER.
O componente final foi o sexto módulo do solenoide central, construído e testado nos Estados Unidos. Quando montado no local do ITER, o solenoide central será o ímã mais potente do sistema, forte o suficiente para içar um porta-aviões.
O solenoide central funcionará em conjunto com seis ímãs de campo poloidal em forma de anel. O sistema de ímã pulsado totalmente montado pesará quase 3.000 toneladas, funcionando como o coração eletromagnético do reator em formato de rosca do ITER, chamado tokamak.
Em plena operação, espera-se que o ITER produza 500 megawatts de energia de fusão a partir de apenas 50 megawatts de potência de aquecimento de entrada, um ganho de dez vezes. Nesse nível de eficiência, a reação de fusão se aquece automaticamente em grande parte, virando um "plasma em combustão".
LaChaise destacou a extraordinária escala e complexidade do projeto. "Alguns componentes são tão grandes que tivemos que construir fábricas diretamente no local, no sul França. Transportá-los, mesmo pelas principais rodovias, teria sido impossível".
Ao integrar todos os sistemas necessários para a fusão em escala industrial, o ITER está servindo como um enorme e complexo laboratório de pesquisa para seus mais de 30 países membros, fornecendo o conhecimento e os dados necessários para otimizar a energia de fusão comercial.
"A fusão não é apenas para energia, ela representa um enorme potencial de mercado. A fusão está dando origem a tecnologias derivadas que nem imaginávamos", disse Bhattacharya.
MAPEANDO TERRITÓRIOS INEXPLORADOS
A visão de aproveitar a fusão nuclear, o próprio processo que alimenta o Sol, tem sido descrita há muito tempo como o sonho da humanidade. Para o diretor-geral do ITER, Barabaschi, é como "atear fogo pela segunda vez na história da humanidade".
"Mas desta vez, não é um fogo químico como nossos ancestrais descobriram há milhares de anos. É o fogo que nasce da fusão de núcleos leves: o fogo nuclear", disse Barabaschi.
O objetivo do ITER é alcançar a produção de energia de fusão na escala de uma usina comercial, abrindo caminhos na ciência da fusão e demonstrando a viabilidade da tecnologia de reatores de fusão.
No entanto, a jornada rumo a essa nova fronteira não é simples. No cerne do grande desafio está a necessidade de criar e manter o plasma a temperaturas de 150 milhões de graus Celsius, dez vezes mais quente que o núcleo do Sol.
"De certa forma, estamos recriando as condições do Sol na Terra", disse Barabaschi.
O progresso do ITER ocorre em um momento crítico para o planeta. "A mudança climática é real e vai acontecer", disse Coblentz. "Quanto mais tempo levarmos para encontrar métodos eficazes de combate à mudança climática, mais extrema ela for e, portanto, mais precisaremos da fusão".
"É realmente uma fronteira da ciência", acrescentou ele. "Estamos vendo a ciência básica e a inovação tecnológica pioneira se desenvolverem juntas".
No entanto, Barabaschi destacou que, embora a promessa da fusão seja imensa, ela não é uma solução imediata. Ele afirmou que o desenvolvimento do projeto ITER em uma era de mudanças climáticas é significativo a longo prazo.
"Não acredito que as tecnologias que estamos construindo chegarão em breve. Quando se trata de mudanças climáticas, precisamos nos apressar na implementação das tecnologias que já temos", observou ele.
Conforme o ITER avança, suas conquistas científicas e tecnológicas não estão apenas desbravando novos territórios para a energia, mas também oferecendo esperança de que a humanidade possa se unir para superar seus maiores desafios.