Mulher segurando placa de protesto é retratada em Nuuk, capital da Groenlândia, território autônomo da Dinamarca, no dia 28 de março de 2025. (Xinhua/Peng Ziyang)
"Enquanto Trump insistir nessas políticas, as relações EUA-Europa continuarão se afastando, colocando a tradicional aliança transatlântica sob forte pressão".
Berlim, 1º abr (Xinhua) -- Bo Albertus, diretor de escola dinamarquês, vem boicotando produtos dos EUA desde janeiro, cancelando suas assinaturas dos principais serviços de streaming americanos, escolhendo alternativas locais e até mesmo revisitando sua antiga coleção de DVDs.
Frustrado com a postura geopolítica cada vez mais agressiva do presidente dos EUA, Donald Trump, Albertus foi cofundador do grupo do Facebook "Boycott Goods from the USA" (Boicote às Mercadorias dos EUA, em tradução livre) e parou de comer em redes de fast-food americanas.
Albertus não é único em meio ao sentimento antiamericano, que tem aumentado em toda a Europa, com mais consumidores evitando marcas americanas.
BOICOTE AOS PRODUTOS DOS EUA
Na plataforma de mídia social Reddit, cerca de 200.000 membros do grupo BuyFromEU compartilham experiências e recomendações sobre a substituição de marcas americanas como Netflix, McDonald's e Apple por alternativas europeias, até mesmo itens do cotidiano, como meias, ketchup e fones de ouvido.
Movimentos semelhantes estão ganhando força em toda a Europa. Na Suécia e na Dinamarca, grupos do Facebook dedicados ao boicote de produtos dos EUA atraíram milhares de membros.
Edouard Roussez, fazendeiro francês de 33 anos, ficou surpreso com o rápido crescimento de seu próprio grupo de boicote no Facebook, que reuniu mais de 25.000 membros em um mês. Seu objetivo é encorajar os concidadãos a priorizar produtos franceses e europeus em vez de produtos americanos, fortalecendo as economias locais e reduzindo a dependência de marcas dos EUA.
Uma pesquisa recente do Instituto Francês de Opinião Pública (Ifop) mostrou que 62% dos franceses estão dispostos a boicotar produtos americanos, com a oposição mais forte vindo de eleitores de esquerda, idosos e grupos de renda mais alta.
Na Itália, o sentimento contra a América está ficando cada vez mais agressivo. Um incêndio começou em uma concessionária Tesla nos arredores de Roma na manhã de segunda-feira, destruindo pelo menos 17 veículos elétricos. Enquanto as investigações estão em andamento, o corpo de bombeiros de Roma disse: "Não podemos descartar nada nesta fase, nem incêndios criminosos". Em março, ativistas de esquerda da Antifa em Milão vandalizaram vários carros Tesla em plena luz do dia, causando danos significativos.
Larry Gerston, professor emérito de ciência política na Universidade Estadual de San Jose, disse à emissora alemã ZDF que o boicote está gerando uma reação em cadeia que pode levar a uma recessão global. Colocando a culpa em Trump, ele alertou: "Ele está prestes a começar uma guerra comercial desnecessária".
"CONTRA TRUMP"
Tensões geopolíticas e sentimentos antiamericanos aumentaram após o interesse renovado de Trump em adquirir a Groenlândia, a maior ilha do mundo e um território autônomo da Dinamarca.
Moradores locais na capital da Groenlândia, Nuuk, se opuseram fortemente à ideia. "Não quero fazer parte da América. Ele (Trump) pode tentar, mas não conseguirá", disse Nikolaj Davidson em entrevista à Xinhua.
"Estamos nos posicionando contra Trump", disse Roland Hermarij, outro morador de Nuuk. "Ele age como se pudesse nos comprar, mas não aceitaremos isso. Ele quer nossos minerais, petróleo e ouro. Só vê a Groenlândia como recurso, não como lar. Aposto".
As tensões aumentaram ainda mais com a chegada do vice-presidente dos EUA, JD Vance, e sua esposa, Usha, na Base Espacial Pituffik, na Groenlândia, na sexta-feira. A visita provocou forte reação de líderes políticos dinamarqueses e groenlandeses, além de moradores locais, que consideraram a visita como "não convidada" e "provocativa’.
"Ninguém os quer aqui", disse Gaba, morador local, à Xinhua, criticando a presença perturbadora de aeronaves militares. "Não tinha como ignorar. Dois aviões Hércules sobrevoavam, barulhentos e intrusivos, tirando nossa paz. Eles não foram convidados, nem oficialmente nem privadamente, pelo governo".
Concordando com Gaba, Herik Skydsbjerg, trabalhador de loja local, disse: "O consulado dos EUA perguntou se eles poderiam fazer compras em nossa loja. Dissemos que não. Isso mostra nossa posição: a Groenlândia não quer fazer parte dos Estados Unidos".
Pessoas protestam em frente à Embaixada dos EUA em Copenhague, capital da Dinamarca, no dia 29 de março de 2025. (Foto por Liu Zhichao/Xinhua)
LAÇOS TRANSATLÂNTICOS TENSOS
Viktor Bergmann, consultor de investimentos tcheco, criticou as políticas econômicas e tarifas protecionistas dos EUA como "medidas míopes".
Trump anunciou tarifas de 25% sobre todas as importações de carros a partir de quarta-feira, junto com uma tarifa de 200% sobre champanhe, vinho e outras bebidas alcoólicas da UE.
"O resultado será o aumento dos preços em ambos os lados, aumento da inflação e do descontentamento, potencialmente levando à agitação social e muito desemprego", disse Bergmann.
Com a economia da Europa enfrentando desafios crescentes, Bergmann enfatizou a urgência da indústria automotiva do continente, um pilar econômico, se adaptar rapidamente. Conforme a produção muda para os Estados Unidos, os fabricantes europeus devem buscar estratégias alternativas para continuarem competitivos.
Mario Boselli, presidente da Fundação Conselho Itália-China, tem as mesmas preocupações, descrevendo as políticas comerciais unilaterais dos EUA como uma "ameaça significativa ao comércio global e à estabilidade econômica".
Em entrevista recente à Xinhua, ele se opôs fortemente às últimas medidas tarifárias de Washington, chamando-as de "grave erro em todos os sentidos". Ele sugeriu que essas mudanças na dinâmica poderiam levar a Europa a reconsiderar sua estratégia econômica mais ampla.
Uma pesquisa da Televisão Nacional Croata no final de março descobriu que 56,6% dos entrevistados acham que as relações EUA-Europa vão piorar ainda mais.
Robert Frank, analista político croata, atribuiu essas tensões à abordagem "América Primeiro" de Trump, que impulsionou o protecionismo comercial e as guerras tarifárias, tensionando laços com a Europa.
"Trump até ameaçou se retirar da OTAN, aprofundando as dúvidas europeias sobre o comprometimento dos EUA com sua segurança", observou Frank.
"Enquanto Trump insistir nessas políticas, as relações EUA-Europa continuarão se afastando, colocando a tradicional aliança transatlântica sob forte tensão", disse ele.