Foto tirada no dia 23 de março de 2025 mostra hotel Ritz-Carlton, local das conversas entre as delegações dos EUA e da Ucrânia, em Riad, Arábia Saudita. (Xinhua/Wang Dongzhen)
* As negociações entre os EUA e a Rússia, além de entre os EUA e a Ucrânia, foram concluídas na Arábia Saudita sem uma declaração conjunta oficial.
* A Ucrânia e a Rússia continuam em desacordo sobre um possível acordo sobre a navegação no Mar Negro e uma proibição de ataques a instalações de energia, enquanto os Estados Unidos divulgam um progresso "positivo".
* Analistas acreditam que uma trégua continua distante, citando muita desconfiança e interesses conflitantes entre Moscou e Kiev.
Riad, 25 mar (Xinhua) -- Três dias de negociações de nível técnico sobre os detalhes de um possível cessar-fogo na Ucrânia foram concluídos na terça-feira sem uma declaração conjunta oficial, já que as partes participantes ofereceram avaliações conflitantes das negociações.
As intensas interações paralelas entre os Estados Unidos e as delegações da Ucrânia e da Rússia na mesa, incluindo uma de 12 horas entre os Estados Unidos e a Rússia na segunda-feira, e duas rodadas mais curtas entre os Estados Unidos e a Ucrânia no domingo e na terça-feira, ocorreram enquanto a luta no campo de batalha continua intensa.
Embora Washington tenha sinalizado na terça-feira sua disposição de continuar facilitando as negociações entre as partes em guerra, analistas continuam céticos sobre as perspectivas desse esforço diplomático, citando muita desconfiança, demandas conflitantes entre as partes interessadas e as complexidades inerentes do processo.
AVALIAÇÕES CONFLITUOSAS
Foto tirada no dia 11 de março de 2025 mostra edifício residencial danificado em Sapronovo, região de Moscou, Rússia. (Xinhua/Bai Xueqi)
Para as últimas conversas, que se baseiam em negociações anteriores realizadas na Arábia Saudita e subsequentes trocas telefônicas entre os presidentes dos três países, a delegação dos EUA incluiu Andrew Peek, diretor sênior do Conselho de Segurança Nacional da Casa Branca, e Michael Anton, alto funcionário do Departamento de Estado. A delegação russa foi liderada por Grigory Karasin, presidente do Comitê das Relações Exteriores do Conselho da Federação, e Sergei Beseda, assessor do diretor do Serviço de Segurança Federal. O ministro da Defesa, Rustem Umerov, chefiou a delegação ucraniana.
Na terça-feira, horas após as delegações dos EUA e da Ucrânia concluírem sua segunda rodada de conversas, a Casa Branca emitiu declarações separadas elaborando seu entendimento das reuniões paralelas.
Afirmou que os Estados Unidos concordaram separadamente com a Rússia e a Ucrânia para "garantir navegação segura, eliminar o uso da força e impedir o uso de embarcações comerciais para fins militares no Mar Negro" e desenvolver medidas para implementar o acordo dos presidentes para "proibir ataques contra instalações de energia da Rússia e da Ucrânia".
Os Estados Unidos, com a Rússia e a Ucrânia, respectivamente, também "saúdam os bons ofícios de terceiros países com vistas a apoiar a implementação dos acordos de energia e marítimos" e "continuarão trabalhando para alcançar uma paz duradoura", acrescentou a declaração.
Entre os resultados das negociações EUA-Rússia, os Estados Unidos se comprometeram a ajudar a restaurar o acesso da Rússia ao mercado global de exportações agrícolas e de fertilizantes, reduzir os custos de seguro marítimo e melhorar o acesso a portos e sistemas de pagamento para essas transações.
Nas negociações EUA-Ucrânia, ambos os lados reafirmaram o compromisso dos Estados Unidos em facilitar a troca de prisioneiros de guerra, garantir a libertação de detidos civis e garantir o retorno de crianças ucranianas transferidas à força.
Enquanto isso, o Kremlin declarou na terça-feira que a Rússia e os Estados Unidos concordaram em garantir a implementação da Iniciativa do Mar Negro, condicionada à flexibilização das sanções ao comércio agrícola e de alimentos da Rússia.
A Rússia também estipulou a remoção de restrições a seus produtores e exportadores de alimentos e fertilizantes, a manutenção de embarcações de bandeira russa relacionadas em portos e o fornecimento de máquinas agrícolas para a Rússia, de acordo com o Kremlin.
Incêndio após ataque de míssil e drone russo em Kiev, Ucrânia, no dia 20 de dezembro de 2024. (Foto por Roman Petushkov/Xinhua)
Ele anunciou ainda que uma "moratória temporária" em ataques contra instalações de energia, incluindo usinas nucleares, refinarias de petróleo, gasodutos e represas hidrelétricas, estaria em vigor por 30 dias a partir de 18 de março e "poderia ser estendida por acordo mútuo".
Anteriormente, o presidente russo Vladimir Putin concordou em 18 de março em interromper os ataques a instalações de energia em um telefonema com o presidente dos EUA, Donald Trump.
Quanto a Kiev, embora Umerov tenha declarado na terça-feira que "todas as partes" concordaram com a necessidade de proibir ataques à infraestrutura energética no conflito Rússia-Ucrânia, ele também alertou que qualquer movimento de embarcações militares russas além da parte oriental do Mar Negro "violaria o espírito do acordo" e seria considerado uma "ameaça à segurança nacional da Ucrânia". Em resposta, a Ucrânia exerceria seu direito à autodefesa, alertou ele.
SENTIMENTOS DIVERSOS
Comentando sobre as negociações de paz de três dias, Trump disse que o lado americano estava "em discussões profundas com a Rússia e a Ucrânia", que estavam "indo bem".
Ele acrescentou que analisaria os pedidos da Rússia para alívio de sanções.
No entanto, o clima é bem diferente para a Rússia e a Ucrânia. Embora as reuniões na Arábia Saudita tenham sugerido a possibilidade de um cessar-fogo mais amplo, os dois países continuam cautelosos com o último acordo, expressando preocupações contrastantes sobre sua implementação.
Em entrevista à mídia local, o ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergei Lavrov, disse que Moscou precisa de "garantias claras" da Casa Branca em relação ao acordo sobre a segurança da navegação no Mar Negro.
"Dada a triste experiência de acordos apenas com Kiev, as garantias só podem ser o resultado de uma ordem de Washington para (o presidente ucraniano Volodymyr) Zelensky e sua equipe", disse Lavrov.
Zelensky acusou o Kremlin de "mentir" e "manipular" ao dizer que o cessar-fogo do Mar Negro depende de "sanções", alertando que os russos "devem entender que se lançarem ataques, haverá uma resposta forte".
Em entrevista coletiva na terça-feira anterior, Zelensky criticou a decisão de Washington de ajudar a restaurar o acesso da Rússia ao mercado mundial de produtos agrícolas, descartando-a como "enfraquecimento da posição e das sanções".
O presidente ucraniano disse que espera obter clareza de uma próxima cúpula em Paris sobre quais países enviariam forças para impor os acordos de paz.
"Nossa tarefa é sair com o resultado do entendimento de quem temos e quem está pronto" para contribuir com forças para implementar medidas para interromper o conflito, disse Zelensky.
Enquanto isso, a Europa, mais uma vez se encontrando marginalizada no enfrentamento do conflito, tem organizado ativamente o apoio à Ucrânia nas últimas semanas.
O presidente francês, Emmanuel Macron, anunciou que os líderes da chamada "coalizão dos dispostos" se reunirão novamente esta semana, com foco no apoio militar de curto prazo às forças ucranianas e procurando "garantias de segurança" de longo prazo para ajudar a sustentar a defesa da Ucrânia. Os comentários de Macron foram descartados pelos Estados Unidos como "uma postura e uma pose".
Primeiro-ministro britânico, Keir Starmer (esquerda), cumprimenta presidente ucraniano visitante, Volodymyr Zelensky, em frente ao 10 Downing Street em Londres, Reino Unido, no dia 1º de março de 2025. (Xinhua/Li Ying)
A reunião em Paris com Zelensky será a mais recente de uma série de reuniões de alto risco entre líderes europeus, após Londres sediar discussões na quinta-feira entre chefes militares europeus da coalizão que apoia a Ucrânia.
O Reino Unido e a França estão assumindo um papel de liderança na organização do apoio ocidental à Ucrânia depois que Trump surpreendeu a Europa ao iniciar as negociações com Putin. As duas potências europeias prometeram ajudar a fornecer a força militar necessária para manter a Rússia "afastada" se um cessar-fogo for alcançado.
FUTURO INCERTO
Notavelmente, o campo de batalha não mostrou sinais de acalmar, apesar das negociações de paz na Arábia Saudita, com a Rússia e a Ucrânia relatando novas ondas de ataques de drones e acusando uma à outra de escalada.
Na terça-feira, o Ministério da Defesa russo disse que a Ucrânia "continuou atacando deliberadamente as instalações de infraestrutura de energia pacífica russa usando UAVs".
Foto tirada no dia 18 de março de 2025 mostra Kremlin em Moscou, capital da Rússia. (Xinhua/Bai Xueqi)
"Ao continuar os ataques diários à infraestrutura de energia russa, Zelensky confirma sua incapacidade de negociar e sua falta de controle por fiadores externos responsáveis por garantir o cumprimento de quaisquer acordos possíveis", disse o ministério.
Na Ucrânia, o número de pessoas feridas na segunda-feira em um ataque de míssil russo na cidade de Sumy, no nordeste do país, subiu para 101, incluindo 23 crianças, de acordo com a administração regional de Sumy.
Dados preliminares indicaram que um míssil russo atingiu uma área residencial da cidade, danificando vários prédios de apartamentos e uma instituição educacional, disse o Gabinete do Procurador Regional de Sumy em um comunicado.
Especialistas apontaram que um acordo de paz real e permanente pode estar longe, citando divisões profundamente enraizadas e um crescente déficit de confiança entre as partes interessadas.
Khalid Almatrafi, chefe do escritório da Asharq TV na Arábia Saudita, disse à Xinhua que "os crescentes ataques mútuos ... refletem o abismo cada vez maior entre os dois lados e complicam os processos de negociação".
As repetidas acusações aumentam a desconfiança e dificultam o estabelecimento de "medidas de construção de confiança", que são essenciais para a transição de um cessar-fogo para um acordo político sustentável, disse Almatrafi.
Com concordando com o ponto de vista de Almatrafi, Abdulaziz Alshaabani, pesquisador saudita do Centro Al Riad de Estudos Políticos e Estratégicos, disse que "a falta de confiança" é uma grande ameaça para se chegar a um acordo, "dado o histórico de violações de acordos entre os dois lados".
Pedestre passa por gerador elétrico em Kiev, Ucrânia, no dia 4 de dezembro de 2024. (Foto por Peter Druk/Xinhua)
"Em 2022, várias rodadas de negociações ocorreram... no final, nada aconteceu", disse Andrey Kortunov, acadêmico do Clube de Discussão Valdai na Rússia. "Nos últimos três anos, houve uma grande escalada, e a situação mudou", tornando "difícil para ambos os lados encontrarem compromissos", disse Kortunov.
"Dada a dificuldade em impor uma interrupção nas greves na infraestrutura de energia acordada na semana passada, ainda não se sabe quão eficaz será o último acordo", relatou o The Independent, um jornal on-line britânico.
O jornal também questionou os motivos de Washington em assumir o papel de mediador, particularmente em relação aos recursos minerais e energéticos da Ucrânia.
"O governo Trump alegou que a participação de Washington nos recursos minerais e energéticos da Ucrânia poderia dissuadir a Rússia de lançar ataques", mas essa pressão diplomática concederia a Washington "uma vasta participação nos depósitos minerais de terras raras da Ucrânia", disse.
"A infraestrutura de gás da Ucrânia também pode ser de interesse da Casa Branca, com Kiev possuindo a terceira maior capacidade de armazenamento subterrâneo de gás do mundo", observou.