Foto tirada no dia 28 de outubro de 2024 mostra veículo destruído na cidade de Bahri, ao norte de Cartum, Sudão. (Xinhua/Mohamed Khidir)
Cartum, 28 dez (Xinhua) -- Em 2024, conflitos violentos continuaram devastando o Sudão, aumentando a crise humanitária que afetou milhões desde que os confrontos brutais entre as Forças Armadas Sudanesas (SAF, na sigla em inglês) e as paramilitares Forças de Apoio Rápido (RSF, na sigla em inglês) eclodiram em abril de 2023.
A guerra, que tirou quase 30.000 vidas, deslocou mais de 14 milhões de pessoas, cerca de um terço da população do Sudão, criando o que as Nações Unidas descrevem como "a maior crise de deslocamento do mundo".
Apesar do impressionante número de mortos, o conflito no Sudão não atraiu o mesmo nível de atenção global que outras crises, como Ucrânia e Gaza. Essa negligência relativa resultou na falta de mediação política eficaz e em ajuda humanitária insuficiente, colocando o país em risco de se afundar ainda mais na catástrofe.
A resposta da comunidade internacional nos próximos meses será essencial. Isso determinará se milhões de civis sudaneses continuarão sofrendo com deslocamento, fome e violência, ou se há uma oportunidade genuína para que a paz e a estabilidade cresçam.
AUMENTO NOS CONFRONTOS
Em 2024, os confrontos armados entre as SAF e as RSF continuaram devastando o Sudão, se espalhando da capital, Cartum, pelos estados centrais de Gezira e Sinnar, e se estendendo até o norte de Darfur, no oeste. Desde maio, El Fasher, capital de Darfur do Norte, virou um campo de batalha central entre as duas forças.
Pessoas olham destroços de ônibus de passageiros destruído em ataque de forças paramilitares na cidade de Omdurman, Sudão, no dia 10 de dezembro de 2024. (Gabinete de Imprensa do Governo do Estado de Cartum/Divulgação via Xinhua)
Por sete meses, a cidade esteve sob cerco das RSF, aguentando bombardeios e ataques aéreos implacáveis do grupo paramilitar e do exército. Esses ataques frequentemente têm como alvo áreas densamente povoadas, incluindo campos que abrigam civis deslocados.
Em 20 de dezembro, o Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH) revelou em um comunicado à imprensa que o cerco e o conflito em andamento em El Fasher mataram pelo menos 782 civis e deixaram mais de 1.143 feridos.
"O cerco contínuo de El Fasher e o confronto implacável estão devastando em grande escala diariamente", disse o chefe do ACNUDH, Volker Turk.
A agência humanitária da ONU também relatou na semana passada que as hostilidades se espalharam para outras áreas urbanas em Darfur do Norte e em Darfur do Sul, resultando em muitas baixas civis e na destruição de casas, mercados e instalações médicas.
A região de Darfur, que compreende cinco estados, é uma base importante para as RSF, com a maioria de seus recrutas vindos da região. A milícia está determinada a obter controle total da região, buscando capturar El Fasher, o último reduto controlado pelas SAF na área.
"Está claro que ambas as partes em guerra querem resolver o conflito militarmente, o que parece absurdo, pelo menos por enquanto", disse à Xinhua, Ahmed Ismail, especialista militar sudanês.
PIORA NA CRISE HUMANITÁRIA
O conflito em andamento no Sudão deslocou mais de 14 milhões de pessoas, ou aproximadamente 30% da população, dobrando o número de dezembro passado. Isso a torna a maior crise de deslocamento do mundo, de acordo com dados da ONU.
"O número de deslocamentos (internos) atingiu 11 milhões. Isso é um aumento de 200.000 desde setembro", disse a diretora-geral da Organização Internacional para Migração, Amy Pope, no final de outubro em uma coletiva de imprensa de Port Sudan, acrescentando que "outros 3,1 milhões de pessoas fugiram dos combates pelas fronteiras".
Pessoas deslocadas da área de Al-Samrab são fotografadas em uma escola no bairro de Al-Ahamda, na cidade de Bahri, ao norte da capital sudanesa, Cartum, no dia 15 de dezembro de 2024. (Xinhua/Mohamed Khidir)
Dos deslocados internos, os números do governo sudanês mostram que 4 milhões são mulheres e 3 milhões são crianças.
Além da crise de deslocamento, mais de 24,6 milhões de pessoas no Sudão agora enfrentam altos níveis de insegurança alimentar aguda, disse um porta-voz da ONU na terça-feira.
A Classificação Integrada da Fase de Segurança Alimentar, um monitor global da fome, confirmou em relatório divulgado na terça-feira que a fome está presente em pelo menos cinco áreas do Sudão, incluindo o campo de Zamzam, em Darfur do Norte, e em partes das Montanhas Nuba Ocidentais. A crise deve se expandir para mais cinco áreas antes de maio de 2025.
Abdullah Ibrahim, especialista em segurança alimentar no Sudão, alertou que a verdadeira escala da crise alimentar pode ser pior do que o relatado. "O impacto total da guerra na situação alimentar continua incerto, e o número de pessoas em risco de fome é provavelmente superior às estimativas atuais da ONU e do governo sudanês", disse ele.
A crise também aumentou uma emergência de saúde. Epidemias, particularmente cólera e dengue, aumentaram durante a estação chuvosa de junho a outubro. O sistema médico do Sudão, castigado pela guerra, tem lutado para lidar com isso. O Ministério da Saúde relatou mais de 44.000 casos de cólera e cerca de 8.500 infecções por dengue.
A ONU e outras agências de assistência agora enfrentam obstáculos significativos para ajudar os mais vulneráveis, incluindo riscos de segurança, restrições ao fluxo de ajuda e movimentação de pessoal, e uma lacuna de financiamento.
Agências de ajuda humanitária enfrentam sérios desafios para fornecer assistência. Riscos de segurança, restrições à movimentação de ajuda e um déficit significativo de financiamento dificultaram os esforços. O Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR) observou que apenas 30% dos 1,5 bilhão de dólares americanos necessários para a resposta do Sudão em 2024 foram garantidos, deixando muitas necessidades urgentes sem atendimento.
Foto tirada no dia 15 de dezembro de 2024 mostra fazendeiros olhando invasão de areia em suas terras agrícolas na vila de Tomnar, na cidade de Dongola, estado do norte do Sudão. Devido à invasão do deserto no norte do Sudão, os agricultores geralmente recorrem à construção de barreiras de terra para evitar a invasão de areia e reduzir seu impacto negativo nas fazendas. (Foto por Magdi Abdalla/Xinhua)
Lutando para se proteger do frio do inverno, os deslocados pedem a ampliação das respostas internas e internacionais às necessidades humanitárias.
"Estamos sofrendo com serviços inadequados e falta de alimentos. As tendas são de má qualidade e não nos protegem do frio no inverno", disse à Xinhua, Qismalla Awad, que se mudou para um campo de deslocados no estado do Rio Nilo.
Do outro lado da fronteira, no Chade, refugiados sudaneses em um campo em Adre enfrentam dificuldades semelhantes. "Estamos lutando contra a fome e contra a falta de alimentos e de água potável", disse Adam Ishaq, refugiado no campo. "Localizado em uma área árida, o campo oferece pouco alívio do calor do verão ou do frio do inverno".
PAZ AINDA É UMA ILUSÃO
Em 2024, os esforços regionais e internacionais para mediar a crise atual do Sudão continuaram, mas tiveram pouco progresso.
Em 18 de janeiro, a Autoridade Intergovernamental para o Desenvolvimento (IGAD, na sigla em inglês), um bloco da África Oriental, convocou uma cúpula em Campala, Uganda, com o objetivo de abordar a crise. No entanto, o Sudão boicotou o evento.
Dois dias depois, o Sudão anunciou que estava congelando sua filiação à IGAD, citando o comunicado do bloco como uma violação de sua soberania. O governo sudanês declarou ainda que não acataria nenhuma decisão ou ação tomada pela IGAD em relação aos assuntos internos do Sudão.
Abdel Fattah Al-Burhan (direita), presidente do Conselho Soberano de Transição do Sudão e comandante-geral das Forças Armadas Sudanesas (SAF, na sigla em inglês), cumprimenta enviado do secretário-geral da ONU para o Sudão, Ramtane Lamamra, durante reunião em Porto Sudão, cidade do Mar Vermelho, leste do Sudão, no dia 23 de dezembro de 2024. (Conselho Soberano de Transição do Sudão/Divulgação via Xinhua)
Esse revés ocorreu após tentativas anteriores fracassadas da IGAD de levar as partes em conflito à mesa de negociações. Uma cúpula em junho de 2023 fracassou após as SAF expressarem objeções ao apoio que certos membros da IGAD estenderam às RSF. Uma segunda tentativa em dezembro de 2023 foi adiada devido a "razões técnicas".
Em julho, sob os auspícios da ONU, ambos os lados em conflito foram convidados a Genebra para conversas focadas em ajuda humanitária e proteção civil. No entanto, um lado não compareceu e nenhum avanço foi alcançado. As Nações Unidas não revelaram qual parte estava ausente.
Em agosto, novas negociações de paz foram iniciadas pelos Estados Unidos em Genebra, que contaram com a presença de delegados das RSF. As SAF declararam preventivamente que não participariam, citando a falha das RSF em honrar acordos anteriores, incluindo compromissos de retirada de casas civis e instalações públicas.
"O sofrimento está aumentando a cada dia, com quase 25 milhões de pessoas agora precisando de assistência humanitária", disse o secretário-geral da ONU, António Guterres, aos embaixadores no Conselho de Segurança da ONU no final de outubro, enfatizando as condições terríveis que os civis estão enfrentando.
"Perdemos nossas casas, mas não perdemos o sonho de paz", disse Ismail Al-Hakim, jornalista sudanês que documentou o impacto devastador do conflito na vida civil. "Ainda estamos nos apegando à esperança do fim deste conflito e do eventual retorno dos deslocados para suas casas".
Para Fatima Badawi, ver sua cidade natal ao sul de Cartum virar um campo de batalha brutal, o próximo ano carrega um peso muito além de simplesmente marcar a passagem do tempo.
"Não queremos outro ano deste conflito", disse ela. "A guerra precisa terminar o mais rápido possível. Estamos depositando nossa esperança pela paz no próximo ano".