A influência chinesa nas minhas férias em Montreal

2018-07-08 15:43:41丨portuguese.xinhuanet.com

Por Thais Moretz

Há um portão chinês no centro de Montreal e fiquei hospedada num hotel bem ao lado dele. E no processo de querer conhecer o Canadá e explorar a cultura franco-canadense, acabei mergulhada em mim mesma e saí de lá mais impactada pela filosofia chinesa do que pelo modus vivendi canadense. Vivi intensamente essa experiência e fui embora transformada, porém mais certa de mim mesma.

Sobre Xangai e Montreal

No primeiro dia no Canadá, no meu primeiro jantar, a cidade de Montreal estava parada. Tudo fechado, por já ser mais de nove horas da noite, um horário considerado tarde para os canadenses que se aquietam mais cedo, mesmo em pleno mês de maio, quando o frio não é mais tão intenso. Por outro lado, quem conhece a cidade de Xangai, na China, sabe que, a essa hora, por lá, tudo pulsa, a cidade não para, e talvez por isso muita coisa acontecia do lado de dentro do portão de entrada para a cidade chinesa, no coração de Montreal, onde jantei acompanhada de um conhecido brasileiro.

Na manhã seguinte, tiramos fotos ao lado do portão chinês antes de começar o dia. Fizemos um longo passeio de bicicleta por Montreal, o que expôs, para mim, a bela arquitetura do Canadá francês que, assim como muitos lugares do mundo, também sofria a influência da cultura chinesa e a penetração desse povo oriental. Pedalando, tudo parecia estar em harmonia, como o yin (阴,a sombra) e o yang (阳,o sol): eu e a cidade, a cidade e o brasileiro, o brasileiro e eu, eu e a China.

Segundo a filosofia chinesa, a vida é movimento. É um caminho (dao, 到), um fluxo. É uma combinação de opostos que se intercalam e se completam (o dia e a noite, o calor e o frio, o bonito e o feio). O estado normal do universo é o movimento, e a gente tem de se movimentar junto com ele para estar em sintonia com o mundo e gerar a energia vital (qi, 气): a abundância.

Esse entendimento sobre a vida existe, na China, há mais de dois milênios. Em contraposição às religiões ocidentais, que enfatizam os mitos, deuses e heróis, a filosofia chinesa se concentra na conduta humana. Acreditam os chineses que há uma via natural para o nosso desenvolvimento e temos de buscar a coerência. Mesmo as contradições devem ser encaradas com naturalidade e equilíbrio, pois fazem parte do funcionamento do universo, e não devemos confrontá-las.

Por isso eu fotografava as paisagens do Parc Mont Royal e mergulhava na minha alma, quietinha. Dizem os chineses que falar é prata e calar é ouro, e eu aplicava muito bem isso. Passeei muitas vezes sozinha pela cidade de Montreal. Visitei o Jardim Botânico, o Parque Olímpico, a Place D'as Arts, o Quartier des Spectacles, entre outros lugares belíssimos.

Também passeei acompanhada. Pelas ruas do Porto Velho, fotografamos a arquitetura do Habitat 67. Eu sentia a cidade de Montreal como um cenário perfeito para as minhas férias. Sentia que, enquanto me movimentava com meu companheiro brasileiro de jornada, criávamos pontes entre nós mesmos, e íamos nos conhecendo e nos aproximando, harmoniosamente.

Às vezes, porém, nada fazia sentido. E eu só lembrava da China, das ruas de Xintiandi, dos mercados de seda, da torre de Pérola. A todo instante fazia alguma comparação entre Xangai e Montreal. Eram memórias dos dois inesquecíveis anos em que morei na China e que surgiam, não sei se à toa ou por algum motivo peculiar. O fato é que Montreal está tomada de chineses e essa penetração do imigrante chinês me fazia pensar em como o mundo está se tornando um lugar menor e as culturas estão se diluindo. A China está se fazendo presente em todas as esquinas. Fisicamente e filosoficamente. E se os chineses buscam soft power, acho que esse meu relato é um bom exemplo de que sim, já o possuem.

No meu último dia de férias em Montreal, fui ao Museu de Arte Contemporânea, onde o tema da exposição era a filosofia dos contrastes. Intitulada “C’est ainsi qu’entre la lumière” (“É assim que entra a luz”), os artistas abordavam a essência da luz nos seus trabalhos, na pintura e na fotografia. Ao mesmo tempo, levantavam questões subjacentes à luz, como o papel da sombra e da opacidade, das cores e da neutralidade.

Minha visita a esse museu não foi por acaso. Ela veio para reforçar alguns binômios que eu já estava vivenciando e que são particularmente ricos na filosofia chinesa: universal versus particular; conhecido versus desconhecido; opaco versus transparente; comunicação versus silêncio; superficial versus profundo; sobrenatural versus real; racional versus passional; eu versus o outro.

Após essa visita ao museu, percebi o quanto a China e a filosofia chinesa ainda são muito expressivas em mim. Acredito que quem vai à China para morar, como eu morei, nunca mais a esquece. É por meio da minha experiência na China e dos reflexos da filosofia chinesa em mim que consigo me entender na essência e na constante necessidade de adaptação e mudança. Então compreendi o que estava acontecendo dentro da minha cabeça, encontrei o brasileiro e quebrei o meu silêncio. Expus todas as nossas diferenças.

A moral da história é que, das minhas férias em Montreal, ironicamente, carrego alguns provérbios chineses, como: “promova o bem para cultivar o seu próprio êxito”. Também carrego diversas paisagens no meu pensamento de uma cidade encantadora. Quem sabe, um dia, retorne a Montreal. Da próxima vez sozinha ou talvez com outra companhia. Quem sabe consiga me isolar da influência chinesa para conhecer verdadeiramente o espírito canadense que, assim como a China, também tem muita graça e sabedoria.

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