A comunidade chinesa em Portugal
Por Luís Filipe Pestana
No mês passado celebraram-se duas importantes datas para o povo chinês: o dia Nacional (1º de Outubro) e o Festival da Lua (ou Festival do Meio Outono, no dia 4 de Outubro). Foi também a segunda das duas Semanas Douradas da China, períodos em que as famílias chinesas normalmente aproveitam para se reunir ou viajar. Para a comunidade chinesa em Portugal, também são épocas de celebração mesmo estando a milhares de quilómetros de casa. Contudo, pouco se sabe sobre a vida e os hábitos de uma comunidade que se mantém um pouco à margem da restante sociedade portuguesa. Existe, há que reconhecê-lo, uma imagem algo estereotipada daquilo que são os chineses. Se perguntarmos a qualquer português a que empregos associa os chineses, certamente que ouviremos uma de duas respostas: ou é lojista ou trabalhador de um restaurante.
A percepção inicial que muitos portugueses têm em relação à comunidade chinesa é a do comércio. Em qualquer esquina é fácil encontrar uma loja chinesa. No princípio, a maioria destes estabelecimentos vendia produtos de baixo custo que vieram fazer concorrência a espaços semelhantes já existentes em Portugal. Como consequência, muitos portugueses acreditam que o fim do comércio tradicional deveu-se não só à criação de grandes superfícies comerciais, como também à chegada dos comerciantes chineses. Na verdade, não existe uma grande integração da comunidade chinesa em Portugal, sendo que ambas as partes podem ser responsabilizadas por este facto. Do lado português, há um grande desconhecimento e até indiferença em saber quem são os chineses. De um modo geral, a atitude positiva de muitos portugueses face a esta comunidade tem muito a ver com a cultura milenar do Império do Meio (ZHONGGUO, em mandarim) e um certo exotismo e misticismo que esta transmite. No que diz respeito ao comportamento dos chineses, estes não interagem muito com os portugueses, resumindo-se quase apenas ao contacto mínimo aquando de uma transação comercial. Na minha perspectiva, o aumento do número de chineses que estudam português e que atravessam meio mundo para prosseguir os seus estudos em Portugal fará com que esta imagem se dilua progressivamente. Além disso, estes indivíduos irão contribuir grandemente para o esbater de barreiras culturais entre os dois povos, algo que trará frutos que vão para além dos aspectos meramente comerciais.
A própria comunidade chinesa sofreu grandes mutações ao longo da sua história. Os primeiros registos de diásporas chinesas pelo mundo datam do século XIX. No caso da Europa e, em particular, de Portugal, os primeiros grandes movimentos migratórios de chineses registaram-se no século XX. Com a descolonização de Moçambique (1975-76), 26 famílias chinesas residentes no território foram para Portugal. Não sentiram grandes problemas de adaptação, pois já se encontravam bem integradas na sociedade de acolhimento anterior, com conhecimento profundo da língua portuguesa e inseridas em diversos ramos de atividade, desde a banca à agricultura, passando pelo sector industrial.
Com a abertura ao mundo encetada por Deng Xiaoping há cerca de 40 anos, a diáspora chinesa tem vindo a aumentar progressivamente. De acordo com os últimos dados disponibilizados pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), o número de chineses residentes em Portugal ultrapassou a barreira de 22 mil em 2016. O aumento do número de chineses deve-se a diferentes fatores. Contudo, podemos considerar que a procura de novas e melhores condições de vida é o primeiro fator que levou à saída histórica deste povo para o exterior. Nos anos 30 do século XX muitos habitantes da província de Zhejiang instalaram-se nas áreas metropolitanas do Porto e de Lisboa. Naquela época, a China estava envolvida numa luta pela sobrevivência contra o Império Japonês e muitos optaram por escapar aos horrores da guerra. Nos anos 80, a maioria dos chineses que foi para Portugal provinha de Wenzhou tendo chegado ao país através de familiares. Inicialmente, envolveram-se no comércio ambulante. Mais tarde, fixaram-se no negócio da restauração. O carácter familiar destes negócios e o código de conduta assente nas tradições do seu país ainda são esteios da diáspora chinesa em Portugal.
Voltando àqueles que vieram de Moçambique após a descolonização, a grande maioria vinha de Cantão. Tinham abandonado o seu país por causa de convulsões internas e fixaram-se com sucesso nesta antiga colónia portuguesa. É preciso destacar que as gerações mais jovens destes emigrados tinham grande domínio da língua portuguesa e alcançaram posições de respeito no seio da sociedade local.
Atualmente, aqueles chineses que se deslocam a Portugal para viver podem ser divididos em dois grupos principais: estudantes universitários e detentores do famoso Visto Dourado. No caso dos estudantes, trata-se de uma consequência natural do aumento no número de universidades que oferecem cursos de Língua Portuguesa. Há poucos anos, apenas seis universidades chinesas tinham este tipo de curso. Atualmente há 37 e com a promessa de esse número chegar a 50 em pouco tempo. Esta evolução conduziu a que diversas instituições de ensino superior chinesas procurassem firmar acordos de cooperação e intercâmbio com universidades e politécnicos portugueses. Esta situação irá, a curto/médio prazo reforçar o interesse de muitos alunos por Portugal. Estes alunos, geralmente passam um ano no país. No final desse período muitos regressam à China com o desejo de um dia voltarem a Portugal para prosseguir os seus estudos ou procurarem oportunidades de trabalho. A capacidade que o sistema educativo português tem de atrair alunos, aliado às condições de segurança, ao clima e ao facto de ser Estado-membro da União Europeia são factores tidos em consideração pelos alunos chineses quando escolhem o local para completar os seus estudos universitários.
O Visto Dourado, política implementada pelo Estado português para atrair investimento no país, deu os seus primeiros passos em outubro de 2012. Em 2013, o número de chineses com Visto Dourado respondeu por 80% do total. Os milhões de euros investidos no sector imobiliário permitem a Portugal vender estes bens de um setor de mercado que tem sentido grandes problemas desde a crise de 2008. Por outro lado, os cidadãos que consigam entrar em território português através deste regime usufruem de todas as vantagens de estarem num território abarcado pelas fronteiras do Espaço Schengen.
Estes dois grupos são o espelho de uma sociedade que tem vindo a mudar rapidamente. Não só a classe alta chinesa tem vindo a crescer, como também tem procurado investir em locais onde as condições de vida e de segurança garantem um investimento sem riscos agravados. Portugal, como já foi referido, tem todas estas caraterísticas.
Os estereótipos dificilmente mudarão em pouco tempo. No entanto, espera-se que os portugueses possam olhar para a comunidade chinesa com outro olhar no futuro. Julgo que os alunos chineses são aqueles que mais hipóteses têm de mudar essa visão. O facto de se interessarem pela língua e cultura portuguesas transmite uma imagem altamente positiva junto da população local. Além disso, estes jovens poderão fazer parte do futuro da comunidade chinesa em Portugal, rejuvenescendo-a e estando mais integrada socialmente. Tal poderá levar a que mais portugueses se interessem pela cultural chinesa, promovendo um intercâmbio cultural de inestimável valor.
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