Portugal possui infraestrutura e tem interesse em participar da Iniciativa do Cinturão e Rota, diz embaixador

2017-03-09 16:54:46丨portuguese.xinhuanet.com

O embaixador de Portugal na China, Jorge Torres Pereira, concede uma entrevista exclusiva à Xinhuanet, em Beijing. (Foto: Xu Xin)

Beijing, 8 mar (Xinhuanet) -- A Iniciativa do Cinturão e Rota impulsiona a conectividade entre a China e os países ao longo das rotas e Portugal tem muito interesse em estar associado a uma faixa no cinturão, disse à Xinhuanet o embaixador português na China, Embaixador Jorge Torres Pereira, em uma entrevista exclusiva.

Xinhuanet: As "duas sessões" anuais são oportunidades de importância fundamental para conhecer as tendências de desenvolvimento da China. Quais temas chamam mais a atenção do senhor? Por quê?

Embaixador Jorge Torres Pereira: O tema que mais concentra as atenções de fora é realmente o processo de reformas na China, o impulso das reformas que foram delineadas na altura da decisão do segundo plenário. Um aspecto que acompanhamos com também particular interesse é a questão das reformas no domínio do Rule of law, portanto do enquadramento legal das reformas nesse domínio. E outro tema que nós também acompanhamos é a questão do ambiente, a questão da proteção ambiental, que, como digo, para quem está de fora é particularmente significativo.

Xinhuanet: A taxa de crescimento da economia chinesa em 2016 foi de 6,7% e a produção econômica total chegou a 70 trilhões de yuans. Como o senhor vê a tendência do desenvolvimento econômico da China?

Embaixador Jorge Torres Pereira: Penso que, no curto prazo, não devemos assistir a uma grande diferença no que diz respeito ao crescimento da China. Embora a maior parte dos analistas acreditem que as alterações estruturais da economia para um novo paradigma possam, no médio prazo, significar um ligeiro abrandamento do crescimento anual da China. Em todo caso, não creio que possa ser posto em dúvida o papel fundamental das grandes locomotivas do crescimento econômico global, que são a China, os Estados Unidos, a Alemanha e o Japão. Todos esses países terão que ter um contributo síncrono para preservar o crescimento da economia global.

Xinhuanet: A crise financeira de 2008 afeta até os dias de hoje a recuperação da economia mundial. Desde o ano passado, "acontecimentos cisnes negros" ao estilo da globalização inversa apareceram um após o outro, intensificando o protecionismo comercial. Qual é a sua opinião sobre a tendência da globalização inversa? Como acredita que o futuro da globalização se desenvolverá?

Embaixador Jorge Torres Pereira: Acho que nós recentemente percebemos que talvez tivéssemos uma consideração um pouco mais otimista sobre todos os problemas que surgiram ou que iriam surgir previsivelmente com a globalização, que as próprias respostas do crescimento econômico, que derivam da globalização, iriam dar respostas a esses problemas. Nós agora temos uma consideração um pouco mais sóbria. Sabemos que há problemas, como desigualdade e distribuição não equitativa dos benefícios da globalização, que estão a levantar problemas nas opiniões públicas. Penso que o que há, buscando um termo marxista, é uma espécie de “tensão dialética” entre as forças da globalização e esses fatores de maior soberanismo econômico e de tentações protecionistas. Penso que essa “tensão dialética” vá estar presente não apenas este ano como um trend recente, mas nos próximos anos, e é claro que nós defendemos uma globalização fair, na qual todas as opiniões públicas possam sentir-se também gratificadas por esse processo. Penso que nesse processo, nós temos de diminuir os argumentos daqueles que querem refugiar-se no protecionismo, e o papel da China é evidentemente muito importante.

Xinhuanet: Atualmente, temas como a recuperação econômica, mudança climática e proteção ambiental têm sido os principais tópicos que impulsionam o desenvolvimento dos países, indo além das fronteiras nacionais e mostrando que precisam da atenção e participação dos governos do mundo todo. Como o senhor avalia o papel da China na governança global?

Embaixador Jorge Torres Pereira: É evidente que nós estamos neste momento em um processo em que há uma maior atenção à natureza multipolar do mundo em que vivemos, e os esforços de reforma da governança mundial, nomeadamente, desde o papel mais central atribuído ao G20, é uma manifestação dessa reforma da governança mundial. Recentemente, nós tivemos uma reunião dos ministros dos negócios estrangeiros do G20, em Bona. Foi apenas a segunda vez na história da organização que se reuniram os ministros dos negócios estrangeiros, e, tal como em Hangzhou, na China, deu importantes pistas para o que se vai seguir nesse esforço de coordenação mundial. Também se prevê a continuação desse espírito nessa cimeira de Hamburgo, organizada pela presidência alemã. Há uma continuidade de temas: a China atribuiu muita importância à agenda para o desenvolvimento sustentável e, por exemplo, a presidência alemã do G20 quer atribuir grande importância à África. Tudo isso são manifestações que nós consideramos muito positivas de uma governança mundial reformada.

Xinhuanet: Como o senhor vê as perspectivas sobre o desenvolvimento do comércio eletrônico e das empresas de tecnologia? Na era da internet, como o comércio eletrônico e o tradicional podem se desenvolver conjuntamente?

Embaixador Jorge Torres Pereira: Isso é efetivamente um dos aspectos de vanguarda da evolução do comércio. Quase que se pode dizer que o computador, o laptop, tornou-se uma espécie do novo modelo de loja, e a grande revolução atual é que o ecrã do smartphone transformou-se no laptop e, portanto, cada vez mais as decisões de compra têm que tomar atenção dessa quase que revolucionária atualização, e quais são os devices a que as pessoas recorrem para estar online. A China teve e tem um avanço em relação a outros países que também agora acordaram para a importância do comércio eletrônico, e eu penso que isso tornar-se-á um fenômeno generalizado à medida que os consumidores também depositarem praticamente toda a sua atenção no que veem no seu smartphone. É claro que a questão de como compatibilizar, apesar de tudo, o conforto que as pessoas sentem ao estar presentes com os objetos físicos que gostariam de comprar e para isso também já há conceitos de offline/online que ajudam a superar essa questão. Em todo caso, prevejo um futuro muito risonho para as plataformas do comércio eletrônico e já agora acrescentaria que Portugal também está em negociações com o grupo Alibaba para que haja uma loja virtual de produtos portugueses nessa plataforma.

Xinhuanet: Como o senhor vê o desenvolvimento da indústria verde da China? Quais são os avanços da tecnologia e os conceitos de desenvolvimento que Portugal pode compartilhar com a China?

Embaixador Jorge Torres Pereira: É evidente que as preocupações ambientais são, hoje em dia, talvez as prioridades principais quando se pergunta as opiniões públicas sobre o que as preocupa. Umas das coisas que vêm logo à cabeça é a qualidade do ar, a qualidade dos produtos que consomem, a certeza de que a água tem as características que são necessárias e boas para a saúde pública. Portanto, eu penso que, juntam-se aqui, por um lado, um enorme potencial que as indústrias ditas da economia verde têm para também proporcionar o crescimento econômico com as preocupações da opinião pública. Neste aspecto, Portugal tem, já há algum tempo, uma atenção particular às energias renováveis, e eu gostaria de citar um exemplo que me parece significativo. No verão do ano passado, durante o mês de agosto, Portugal conseguiu, durante quatro dias seguidos, ter todo o seu consumo elétrico originado por vias renováveis. Foi de tal maneira marcante, que foi considerado por revistas científicas como um dos eventos científico-tecnológicos mais significativos do ano passado. O país lidar com as suas necessidades energéticas em eletricidade apenas com energias renováveis mostra como é efetivamente possível alterar completamente o paradigma que é necessário para gerir as necessidades energéticas com tudo que se tem de benéfico para tornar mais verde a nossa vida.

Xinhuanet: Em 2017 a China vai realizar o primeiro Fórum de Cooperação Internacional da Iniciativa do "Cinturão e Rota". Quais são os avanços que essa iniciativa alcançou?Como o senhor vê o papel dessa iniciativa na revitalização da economia mundial?

Embaixador Jorge Torres Pereira: Já há alguns anos se tinha percebido que haveria um imenso progresso se conseguíssemos melhorar as conectividades entre os diferentes atores, por exemplo, em uma região. Antes de Beijing, estive no Sudeste Asiático, e constatava-se que praticamente os países da região tinham relativamente poucas relações entre si e mais comércio, exportações e atividade econômica com o exterior. A conectividade colocou-se como uma questão que permitia aumentar significamente o comércio inter-regional. Conectividades essas que, naturalmente, no Sudeste Asiático tinham também relacão com a China como muito importante. Ou seja, daí nasceu a ideia de que pode se estruturar o desenvolvimento econômico melhorando as conectividades, que decorre da maior atenção à infraestrutura, às ligações ferroviárias, elétricas etc. Nós, em Portugal, desde que a iniciativa do “Cinturão e Rota” foi lançada, temos manifestado o nosso interesse. Aliás, ironicamente, pode-se dizer que Portugal foi um dos pioneiros da rota marítima da seda. A conexão entre a Ásia e a Europa por via marítima no século XVI foi uma obra pioneira portuguesa, e nós gostaríamos de que essa nova rota marítima no século XXI também levasse em consideração o que chamamos de “dimensão atlântica”, sobretudo porque dispomos de uma infraestrutura portuária em Sines, um pouco ao Sul de Lisboa, que ligamos a um grande momento de chegada à fachada atlântica para o comércio por via marítima, nomeadamente o Canal do Panamá. Portanto, temos mostrado o nosso interesse em estar associados a uma faixa no Cinturão. Contemplamos o fato de termos sido também convidados a estar presente no fórum do “Cinturão e Rota” em maio próximo.

Xinhuanet: O senhor poderia apresentar a situação do intercâmbio de estudantes e do turismo entre Portugal e a China no ano passado?

Embaixador Jorge Torres Pereira: Os números absolutos ainda são relativamente modestos, mas as indicações do crescimento são muito animadoras. Um exemplo é o turismo entre 2012 e 2016, com o número de turistas chineses que foram para Portugal crescendo 35%. Nós estamos neste momento com cerca de 180.000 turistas anuais, mas já ultrapassamos as 300.000 dormidas. Estamos muito esperançados do efeito impulsionador do voo direto entre a China e Portugal, entre Hangzhou e Lisboa, da Beijing Capital Airlines, que provavelmente será inaugurado já em julho. Esperamos que o voo direto corresponda a um impulso adicional para que esses números que estão em ascensão continuem. Os números absolutos de estudantes ainda também são relativamente modestos. Nós tivemos cerca de 600 estudantes chineses bolseiros em Portugal, mas há dois anos eram apenas 370, então estamos também em uma claríssima rota de ascensão. Em relação ao número de estudantes portugueses na China, também estamos na ordem das poucas centenas, mas há um dado muito significativo, que é o número de instituições chinesas onde se aprende português. Há poucos anos, eram menos de 10 e agora já ultrapassamos 30. Portanto, tudo isso significa que o intercâmbio entre turistas, estudantes e empresários, tem vindo a crescer significativamente. O intercâmbio entre as pessoas no fundo é uma espécie de base sólida do relacionamento bilateral.

Xinhuanet: Como o senhor avalia os avanços nos intercâmbios bilaterais do ano passado entre Portugal e a China? Quais são as suas perspectivas de cooperação bilateral para 2017?

Embaixador Jorge Torres Pereira: Nós temos tido nestes últimos anos uma dinâmica muito positiva no nosso relacionamento a todos os níveis, não só nos aspectos que acabei de descrever, do ponto de vista dos aspectos de cultura e people to people, como também no domínio econômico e empresarial, e é muito importante no relacionamento político. No ano passado, em outubro, nós tivemos a visita do Sr. primeiro-ministro português, Dr. António Costa, que traduziu no fundo o fato das nossas relações políticas terem um padrão de visitas de alto nível que é indubtavelmente muito impressionante. Dois anos antes tínhamos tido a visita de Estado do presidente da República e este ano achamos que vamos continuar a ter esse padrão de grande consensualização entre os líderes dos dois países, das vias a seguir para o desenvolvimento econônico e a cooperação entre os dois países. Penso que todas essas coisas de que nós temos falado, do fato de Portugal ser um membro fundador do Banco Asiático de Investimento e Infraestrutura, a importância que nós atribuímos ao Fórum de Cooperação entre Portugal e os países de Língua Portuguesa, o fato de nós continuarmos a ter um relacionamento com a China, tenham a ver com a nossa presença nas geografias lusófonas e com a nossa participação na União Europeia. Tudo isto mostra que, muitas das ideias da China sobre a importância das cooperações trilaterais, sobre a importância da faixa do cinturão, tudo isso são coisas que apontam para um claro desenvolvimento do nosso relacionamento bilateral.

Xinhuanet: A economia da China está passando por ajustes estruturais e a indústria manufatureira está em uma fase de transformação e modernização, utilizando o espírito dos artesãos para criar a sua nova imagem. Na sua opinião, quais são as melhores formas de transformar e atualizar a indústria manufatureira da China?

Embaixador Jorge Torres Pereira: Eu penso que é implementar as próprias reformas que a própria liderança chinesa já identificou, mais mercado na locação de recursos, condições de igualdade entre empresas, indepentemente de serem estrangeiras ou chinesas do setor privado ou do setor público. Penso que essa é a possibilidade das empresas europeias poderem contruibuir com o seu conhecimento tecnológico para os novos setores de grande inovação tecnológica que estão a ser desenvolvidos na China. Tudo isso para mim seriam os aspectos cruciais para ajudar a indústria manufatureira chinesa a subir o valor da sua produção.

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